segunda-feira, 28 de novembro de 2016

Quatro anos depois

É incrível como a vida passa mais rápido depois dos 20 anos. E depois dos 30, então, voa! Mal percebi que se passaram quatro anos desde a última postagem. Acho que a correria foi tão grande que nem vi os anos passarem. Continuo correndo contra o tempo, atrás dos sonhos, atrás dos objetivos. Mas hoje estou aqui apenas para compartilhar um miniconto que escrevi e segue abaixo.


"O cimento que liga as relações é o respeito. Pode acabar o amor, pode acabar a amizade, pode acabar a admiração, a ilusão, pode acabar tudo, menos o respeito. Já vi casais terminando relacionamentos de longa data e mantendo o respeito em nome dos filhos, ou mesmo do passado que tiveram juntos. Se tornam ex, mas continuam amigos. Não precisam ser melhores amigos, mas colegas, pais, pessoas que mantêm o relacionamento cordial em nome de um bem maior. Pessoas que se respeitam em nome desse bem maior. Conheço ex-casais que participam ativamente da vida dos filhos. E se encontrarem não se torna constrangedor. Lembranças e mágoas simplesmente somem. Aliás, mágoas são criadas por conta da falta de respeito. E algumas pessoas a alimentam a vida inteira.

Janete e Felipe nunca dariam certo como um casal por causa de suas personalidades fortes. Um dos dois deveria, obrigatoriamente, se anular para que o casamento seguisse em frente. Pois bem, um deles se anulou completamente: Janete. E como se isso não bastasse, Felipe, em vez de respeitar esse ato de altruísmo, resolveu se aproveitar da situação. Obviamente inseguro, começou a desrespeitar a esposa na frente de todos, não apenas dentro de casa. Havia situações que se acontecessem comigo seria o início do fim. Coisas que pessoa nenhuma aguentaria ouvir calada. E Janete ouviu. E sorria. "Ele só tá brincando", era a resposta. Nenhuma de nossas amigas acreditava na "brincadeira". Mas riam, apenas como um ato de comiseração ou para não criarem nenhuma situação constrangedora. Nunca ri. Sempre reprovei. E como as pessoas me conhecem pela minha sinceridade brutal, ninguém nunca pediu minha opinião sobre isso. Óbvio que eu daria. Talvez por isso mesmo Janete não gostava de mim. Mal olhava na minha cara. Tinha vergonha de mostrar essa fragilidade na minha frente. Como se fosse um atestado de fracasso. Como se, a qualquer momento, eu fosse apontar o dedo e mostrar que ela era uma fracassada. Nunca o faria. Minha indignação não é com quem faz de tudo para salvar um casamento, mas com quem faz de tudo para afundá-lo, sem admitir seus erros, tornando a situação insuportável para que o outro tome a iniciativa do fim, porque ele mesmo não tem coragem de fazê-lo. E eu me perguntei até quando esse casal aguentaria viver nessa situação. Para uma pessoa de bem, não é fácil tripudiar de alguém eternamente. E eu não creio que Felipe, que conheço há décadas, seja de todo mau. Já estava vendo o dia em que Janete não iria mais suportar tantos destratos e se revoltaria. E esse dia chegou.

Como alguém que guarda mágoas e rancores há anos, ela explodiu. Com palavras tão duras que até mesmo eu, que não tenho absolutamente nada a ver com a história, me senti ferida ao imaginar a dor que Felipe sentiu ao escutá-la. Explodiu na cara de todo mundo, sem reservas. E alternou momentos de explosão com momentos de reclusão. No canto, encostada, parecia se despedir solitariamente de tudo: do casamento, do cônjuge, dos amigos dele, da família, da história de anos. E quis chorar. Timidamente. Solitariamente. Seus olhos marejaram, mas não deixou nem uma lágrima cair. Deu-se conta de que ali ninguém a apoiaria. Que as amizades e os carinhos eram apenas para Felipe. Ela ficava com as migalhas. Deu-se conta de que todos eram falsos com ela, que os amigos dele apenas a tratavam bem por causa dele. E quando ele a tratava mal, ninguém a defendia. Alguns até mesmo a desrespeitavam com o pretexto do "estou brincando". Outros riam, como se ela fosse uma piada. Deu-se conta de que não tinha nada: nem respeito, nem amigos, nem família, nem marido. Nunca teve sequer apoio ou solidariedade daqueles amigos que ela pensava serem seus também. E deu-se conta de que, talvez, a única pessoa que a apoiasse era aquela que ela mais detestava. Que nunca ria quando faziam piada com ela. Que claramente reprovava quando alguém a tratava mal. Que nunca fez questão de agradar ninguém ali, que falava o que pensava na cara de quem fosse, ainda que doesse. De repente não sabia mais o que estava acontecendo. Os amigos sinceros eram falsos. A "amiga" falsa era a única sincera. E o amor pelo marido talvez nunca tenha existido. E se existiu, sumiu há tempos. Ali deu-se conta de que não importava mais o que os outros pensassem. Enquanto todos riam, ela sofria. Mesmo após as explosões, para eles, tudo não passava de brincadeira. Afinal, ela era a piada, sempre foi. Uma das amigas se aproximou silenciosamente para ver se estava tudo bem. Não estava. Mas entre o grupo e ela, preferiu o grupo. Não há tempo para solidariedade individual quando o grupo exige sua atenção. E essa amiga queria se encaixar. Era nova no grupo, como ela mesma fora um dia. Talvez até seguisse os mesmos passos dela. Uma grande roda de amigos de décadas. Será que realmente vale a pena se encaixar? Perguntou-se como seria esse grupo se ela sumisse. Exatamente igual, foi a resposta. Ninguém sentiria falta dela. Eram como uma grande família, mas sem espaço para os novos integrantes. A maioria estava casada e com filhos, mas se a esposa ou o marido de um deles fosse embora, não faria falta. Perguntou-se que fim levou o ex-marido da Roberta, que havia se divorciado há apenas alguns meses. Ninguém sabia, ninguém perguntava. Roberta estava bem, curtindo com os amigos de décadas. O ex sumiu como se jamais tivesse existido. Ele que parecia tão parte do grupo...

E enquanto tudo isso acontecia, eu a observava, adivinhando o que se passava naquela cabeça tão nova, tão previsível, mas que finalmente amadurecia. E torci por ela sinceramente. Ninguém é menos que ninguém, ninguém merece ser infeliz apenas por capricho, por status, ou o que quer que seja. Respeito é fundamental, e no dia em que ele acabou, ela deveria ter dito adeus. Ou se imposto, exigido que Felipe a respeitasse. Mas não. Abaixou a cabeça em nome de um bem maior. E ambos afundaram.

Felipe continuava bebendo sua cerveja e contando vantagem para os amigos. Como se nada tivesse acontecido. Eu me cansei de ver todo aquele drama e me preparei para ir embora, mas após ver nos olhos de Janete que ela estava se transformando, secretamente me orgulhei dela. Após me despedir de todos, deixei meus filhos com meu marido e, como sempre, dei tchau para ela à distância. E após anos sem falar comigo, enquanto amamentava seu filho, Janete deu um sorriso triste e respondeu sem me olhar. Foi o primeiro passo de uma grande mudança."

Este foi o primeiro de vários não escritos que tenho guardados em uma gavetinha da minha memória. Quem sabe não animo e começo a escrevê-los aqui? As histórias são inspiradas em histórias que me contaram, em livros que li, filmes aos quais assisti, enfim, são diversas inspirações. Só me recuso a escrever o que se passa comigo porque já tive muitos problemas com isso.

Eu conheci a Janete. E conheci o Felipe. Mas apesar de muito parecida comigo (confesso que muito do que sou, aprendi com ela), não sou o eu-lírico. Este papel cabe a uma colega minha, que está casada há anos, tem dois filhos e faz parte desse grupo de amigos motoqueiros apenas por causa do seu marido, este sim membro original do clã. Um dia ela me contou a história da Janete, que conheci por acaso no aniversário do filho dela, já separada de Felipe e com um novo amor. Carol nos apresentou e introduziu a história e a própria Janete fez questão de contar sobre o dia em que ela resolveu dar um basta no casamento. Pedi permissão para escrever e publicar uma história baseada nisso e ela me deu. E disse que após o fim do casamento, a única pessoa que foi procurá-la foi a Carol. E que hoje eram melhores amigas, apesar das ressalvas do marido dela, leal ao "clã". Achei interessante a frase que ela utilizou ao me contar isso: "O fim do meu casamento me deu duas coisas que eu prezo muito: meu amor próprio e uma amiga de verdade!"